Maria-sem-vergonha

domingo, julho 04, 2004

balanço do fórum cultural mundial

Bem, eu assumo que andei meio sumida esses dias. Mas foi por um ótimo motivo: estive participando do Fórum Cultural Mundial.

Já havia colocado uma prévia das coisas que eu teria interesse em participar. Claro que não consegui ver tudo a que me propus, mas também vi várias outras coisas tão interessantes quanto.

Esse post será um pouco mais longo que o normal, e deve chamar a atenção essencialmente daqueles que se interessam pela área da cultura. Mas estão todos convidados a viajar um pouco pelo fascinante mundo dos sonhos.

"O real dever do artista é salvar o sonho" -
Modigliani (artista plástico italiano)

QUARTA 30/06

Assisti a uma apresentação dos Índios Guarani no Sesc Belenzinho, como parte da programação do Encontro de Povos Indígenas - Tradição e Resistência.

Esse ritual Guarani de boas vindas chama-se Nheysyrõ, e é realizado pra propiciar harmonia, união e paz entre os participantes, no qual o pajé utiliza palavras Guarani para evocar forças.
Foi emocionante.

QUINTA 01/07

Fui para o Anhembi, onde assisti às palestras:

Diversidade Cultural: Patrimônios e Paradigmas da Humanidade





A idéia era discutir Cultura como multiplicidade de culturas, evitar os erros do passado em atribuir superioridade a esta ou aquela expressão cultural, deste ou daquele "povo", grupo, etnia. Discutir as diferenças a partir de uma perspectiva de respeito mútuo.

Apesar do tema tão interessante, tivemos o cineasta israelense Amos Gitai que falou basicamente da idéia distoricida que a imprensa passa da sua região, e do filósofo, psiquiatra e escritor italiano Mauro Maldonato que viajou na batatinha...

Minorias e suas culturas - direitos humanos e riquezas humanas





Essa foi show de bola. A idéia foi discutir qual é o lugar das culturas "originais" no contexto global atual, como garantir a sua existência e sobrevivência. Tivemos participações brilhantes a começar pelo moderador da mesa que era ninguém menos que Marcelo Taz que deu dinâmica à discussão e acrescentou com relevantes intervenções. O debate começou com a historiadora brasileira Karen Worcman que falou do seu trabalho do Museu da Pessoa, onde anônimos podem contar e registrar a sua história. Falou um pouco da importância da memória de um povo e da resistência e soberania a partir dela. Depois tivemos a participação do professor brasileiro Nicolau Sevcenko que tratou da questão das minorias como preconceito era pós-colonialista. Bem interessante. Depois foi a vez do antropólogo americano Richard Price que contou um pouco do drama dos quilombolas no norte do Brasil e principalmente em países como o Suriname. Tivemos a intervenção fascinante da representante indígena brasileira da comunidade Bakairi contando a experiência do resgate cultural que vem sendo desenvolvido pelo seu povo, principalmente aos mais jovens. E finalizamos com a intervenção mais que autêntica da cineasta do País Basco/ Espanha Maria Helena Taberna, que mostrou as questões culturais do País Basco e de suas contradições com tradição e modernidade.





Feira de Idéias e Oportunidades

Hora de descanso, fui andar pela Feira e peguei toneladas de papel. Folder, pasta, prospectos etc etc etc. Vários grupos interessantes divulgando os seus projetos.
Além disso, como o povo artista adora aparecer, sempre tinha performances pela Feira. Uma delícia.





Assisti à apresentação da Orquestra Paulista de Viola Caipira. Um verdadeiro espetáculo de tradição e raíz. Beleza Pura.





Vi ainda a apresentação de música caipira Pena Branca e Chico Lobo (SP - MG)

SEXTA 02/07

Acordei cedo e fui direto pro Anhembi.

Fui pra conferência: Economia e Cultura: produção e circulação de valores

Os produtos culturais, criações humanas fruto do trabalho humano, são valores, fazem parte das trocas culturais que são também trocas econômicas. Como estabelecer equilíbrios para esse comércio? Quais fatores devem ser levados em consideração? A filósofa e jornalista brasileira Rejane Xavier colocou uma questão interessante, mas que tampouco conseguiu ser respondida: "Ninguém quer morrer na miséria como Van Gogh, mas como não entrar na máquina da indústria?"

Depois fui pro debate: Política Pública Cultural e Investimento Privado em Cultura









Definir diretrizes e possibilidades do poder público para garantir a circulação de bens culturais e discussão da interação entre esse setor e o setor privado. O brasileiro, presidente do Articultura Yacoff Sarkovas, nos mostrou em números o que já sabíamos, que as leis de incentivo no Brasil servem mais para desperdiçar dinheiro público e criar uma rede de espetáculos de interesse puramente comercial para as grandes empresas. E o relato da experiência nos Camarões, com o modelo francês de financiamento da Diretora do festival de Dança Elise M´Balla.

E ainda tive fôlego para assistir à também brilhante conferência: Novas configurações do mundo: o impacto sobre a gestão e a administração da cultura.

Em um mundo em constante transformação política, social e econômica , quais são as questões centrais para a administração da cultura? Falou a secretária de estado da cultura de São Paulo Claudia Costin. Com um belo discurso, mas idiota como sempre. Apesar da Claudia, tivemos atuações belíssimas como a do curador e diretor artístico nigeriano Okwui Enzewor, que falou da sua experiência com a Documenta de Kassel (espécie de Bienal de Arte de São Paulo, ampliada). E do maravilhoso Emir Sader, sociólogo, escritor e professor, que fez um discurso extremamente político e afiado, com as questões que estão sendo deixadas de lado na área da cultura pelo governo brasileiro. Além dos debatedores, ainda contamos com a participação não apenas como moderador, do jornalista da TV Cultura Paulo Markun, que entre as suas intervenções até citou uma parte que nos toca:

"O Brasil é o segundo país do mundo em número do blog´s. O Blog será para a literatura, no Brasil, o que os campos de várzea representaram para o futebol."

Portanto, amigos, sintam-se futuros escritores de sucesso!!!

Depois fui andar pela feira de novo, e vi apresentação de Tambor de Crioula, cantora de MPB, Circo, banda com influências africanas, performance literária... podia-se respirar arte por todos os lados...





Fui para o Sesc Consolação ver o Barbatuques. Eles são um grupo de percussão corporal que desenvolve um trabalho musical na exploração dos sons produzidos pelo corpo humano, integrado às linguagens cênicas. MA-RA-VI-LHO-SO!!!

SÁBADO 03/07

Infelizmente não pude assistir à Conferência de encerramento por causa do trabalho. Mas a tarde fui para o Sesc Belenzinho e assisti ao debate Política e territorialidade - Respeito à diversidade, falando da questão indígena no Brasil. O debate foi extremamente interessante porque contou com a visão dos próprios líderes indígenas de diversas partes do Brasil, assim como antropólogos e pesquisadores da área, e políticos que tratam da questão no Brasil.

Na Oca que foi construída dentro do Sesc, além do debate, ocorriam concomitantemente o que eles chamaram de Arte da Terra, que era a demonstração do artesanato desenvolvido por alguns desses povos, como cestaria, colares, cerâmicas, tecelagem e pintura corporal. Emocionante.

E ainda por lá, pra terminar o dia assisti ao espetáculo "Mister K. e os artistas da Fome" com a Boa Cia. e Matula Teatro. Baseado no conto "Os artistas da fome" de Frans Kafka. Eu adorei! Ao mesmo tempo que tem um humor super refinado, e ótimas interpretações, nos traz reflexões do papel do artista, da arte e da sua relação com o mundo.

Bem, e por hoje é só pessoal.

Mas amanhã ainda quero voltar ao Sesc pra ver uma apresentação de "Contação de histórias ancestrais" pelo escritor Daniel Mundukuru, do povo Mundukuru, voltadas ao público infantil.

Mas como todo artista, no fundo, é sempre uma criança, eu acho que vou me deliciar.

E quem quiser que conte outra.

Beijinhos e bom espetáculo.

Kelly Maria